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Entrevista: Os Garotin comentam ascensão meteórica da carreira

Com disco de estreia, o grupo tem conquistado a atenção do público e das grandes premiações

os garotin
Foto: Pedro Miceli/Divulgação

Quando Anchietx, Cupertino e Leo Guima se conheceram em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, eles não pensavam imediatamente em construir uma carreira juntos. O primeiro contato do trio com a música foi na igreja, e não levou muito tempo para que soubessem qual caminho gostariam de seguir em suas vidas. Foi em 2024, porém, que Os Garotin vieram ao mundo e deram início a uma trajetória de muitas conquistas em tão pouco tempo.

Depois de lançarem alguns EPs solo e vários singles ao longo do ano passado, “Os Garotin de São Gonçalo”, álbum de estreia do grupo, chegou ao mundo em maio pelo selo independente da MangoMusik e rapidamente conquistou a atenção do público pelo país. O disco assume uma estética nostálgica dos anos 80 para dar vida ao som dos Garotin, com forte influência do R&B, do soul, da MPB e outros gêneros que estiveram presentes em sua formação musical. “A gente nunca quis doutrinar a nossa criatividade, a nossa criatividade que manda na gente, a gente obedece ela! A gente valoriza esse privilégio de poder fazer música”, descreve Cupertino.

O trio afirma que a intenção nunca foi atender somente ao mercado, mas sim à vontade de dar vida a um estilo próprio de música. Contudo, sua sonoridade conquistou fãs e também premiações: em novembro, o trabalho foi premiado com o Grammy Latino de “Melhor Álbum de Pop Contemporâneo Brasileiro”, além de concorrer em outras duas categorias. “A gente fica feliz que a nossa música tá sendo considerada pelo mercado, tá tendo ouvinte, a galera tá comprando a briga, entendeu? Parece um sonho mesmo, parece que eu tô sonhando acordado”, conta Leo Guima.

Em entrevista ao Tracklist, Os Garotin conversaram sobre a sua relação pessoal com a música, o sucesso de seu primeiro disco e sua repercussão nas grandes premiações, além dos próximos passos em suas carreiras — tanto individualmente quanto como um grupo. 

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Entrevista com Os Garotin

Tracklist: Nós temos acompanhado o trabalho de vocês ao longo do ano, mas antes da gente falar sobre Grammy, premiações e o disco, queríamos ouvir um pouco mais sobre a relação de vocês com a música. Como surgiu a música na vida de cada um e como vocês se conheceram e decidiram dar início à carreira de vocês?

Cupertino: Cada um tem uma relação particular com a música, mas uma coisa muito interessante é que a igreja foi o lugar onde a gente começou a aprender música. Então, essa relação surgiu na nossa vida como uma tentativa de alcançar o divino, uma tentativa de relacionar aquela arte com a espiritualidade… Eu acho que isso permanece na gente até hoje — sem ser no âmbito religioso ou evangélico, assim como nós fomos criados, mas no âmbito espiritual. A gente sente que a música tem esse viés, né?

Agora, como a gente se conhece: cara, é muito interessante. Em 2018 eu conheço o Leo, a gente tem um ano de amizade, a gente começa a morar juntos e um ano depois desse meu período com o Leo, chegou o Anchieta, e eu queria apresentar o Anchieta para o Leo porque eu achava que eles tinham uma coisa em comum de música. Apesar de bem diferente, quando eu conheci o Anchieta num sarau, eu quis apresentá-lo ao Leo, pensando que ia dar uma química muito forte entre os dois. E acabou que eu também entrei no meio dessa química, e a partir daí começou a nossa amizade —  que no primeiro encontro já foi coroada com uma música chamada “Pouco a Pouco”. Foi uma música que a gente fez no primeiro dia que a gente se viu, e essa música está no álbum, é uma música que a galera ama. E nasceu no nosso primeiro encontro, né?

Anchietx: Realmente, é muita coincidência.

Também queria que vocês contassem um pouco sobre o processo criativo do disco. Há quanto tempo vocês têm esse trabalho na mente de vocês e como foi a produção das músicas?

Leo: É, cara, a gente tinha uma ideia no passado, né? A gente tinha a nossa carreira individual, que era o nosso foco principal, mas a gente se dava tão bem junto que a gente cogitou a possibilidade de, no futuro, a gente se juntar. E isso foi em 2019. Aí naquela época, a gente já teve uma ideia: se a gente se juntasse, qual seria o nome da banda? Pensamos que seria “Os Garotin de São Gonçalo”. Então, naquela época mesmo, a gente já pensava que isso poderia acontecer, só que a gente não imaginava que ia ser antes do que a gente tinha previsto. Mas acabou sendo antes, isso foi muito bom.

Cupertino: O processo criativo se passa por esse momento, por esses anos que o Leo está comentando aí de convivência, da gente compondo despretensiosamente, sem saber exatamente que a gente estava fazendo o álbum. Mas quando foi ganhando o corpo, quando chegou na sexta canção, ali a gente falou: “Opa, estamos fazendo um álbum”. Mas as músicas continuaram nascendo de um ambiente despretensioso. A gente nunca quis doutrinar a nossa criatividade, a nossa criatividade que manda na gente, a gente obedece ela! A gente valoriza esse privilégio de poder fazer música… Pô, isso é uma coisa muito louca.

Voltando na primeira coisa, parece até uma experiência espiritual o ato de compor. Então a gente relaciona muito a nossa criatividade com a nossa amizade e com os nossos momentos de alegria que sempre geram música. Eu acho que a quantidade de dopamina que cada um gerou na cabeça do outro ali é que vai preparar o terreno para vir a melhor canção. 

Leo: Nunca é planejado. Às vezes a gente combina de fazer uma música e não sai, sacou? Mas às vezes a gente está só se divertindo, rindo e nasce uma música — como foi, por exemplo, “Violão Amarelo”, que é uma das faixas do nosso álbum. Foi exatamente assim: a gente estava conversando e eu falei sobre como eu via aquele violão todo dia na vitrine. Aí eu falei: “Amarelo violão, bonitinho de madeira”, eu falei meio no ritmo da música, eu tava tocando violão. Aí o Cupertino veio falando: “Cara! Você falou juntinho com o violão, isso aí pode ser uma música”, entendeu? Então, nasce assim, sem pretensão nenhuma.

O disco tem uma sonoridade muito nostálgica e me parece incorporar as influências de cada um na música, com toques de R&B, MPB e soul. Qual vocês diriam que foi a ideia por trás desse estilo para vocês, e se possível, vocês poderiam citar algumas referências que tiveram para o álbum?

Leo: Jorge Ben, Tim Maia… Cada um tem uma referência aqui. Eu sou mais da soul music, o Cupertino da MPB, o Anchieta do R&B… São várias referências. A gente tenta juntar tudo isso e trazer tudo que a gente pode somar pros Garotin.

Cupertino: Uma pessoa que a gente tem que enaltecer o trabalho é do nosso produtor musical, o Júlio Raposo, que é praticamente integrante desse projeto. Os Garotin, mais que uma banda, é um projeto de música, é um projeto que está acontecendo, é a união de três carreiras. É uma coisa que, ao mesmo tempo que tá rolando, o Anchi tá lançando o EP dele, eu lancei meu EP, o Leo também lançou o dele, a gente vai vir com álbuns solos também. Os Garotin é um projeto vivo, que pode fazer qualquer coisa a qualquer momento. 

E o Júlio Raposo é o louco que consegue traduzir essa nossa mistura pro fonograma. O trabalho do produtor musical é uma coisa que a gente valoriza muito. Eu acho que essa mistura tem que ser feita por uma pessoa que entende sobre cada ingrediente. Então, se tem R&B, tem o ingrediente do MPB, do samba, o ingrediente da soul music brasileira raiz, tem que entender sobre tudo para fazer uma mistura. A gente encontrou uma pessoa que entende muito bem sobre tudo, e sobre essas musicalidades que resumem muito o Brasil.

Aproveitando esse gancho, gostaria de perguntar sobre o crescimento do R&B e do soul no Brasil. Em 2024, temos visto um grande aumento da popularidade desses gêneros no país com muitos lançamentos grandes — não só o disco de vocês, claro, mas também trabalhos como “Caju”, da Liniker, e “Amaríssima”, da Melly. Como vocês enxergam esse movimento recente na música brasileira?

Anchietx: 2024 é um ano que a galera se preparou, né? Pós-pandemia, aquela coisa da cena inflada, lançamento pra caramba… Estava todo mundo dentro de casa ainda, voltando a sair aos poucos. Aquela coisa de live pra cacete, tudo ficou muito cheio… Então, 2024 parece que foi um ano que todo mundo veio se preparando e tomou a coragem para botar para fora aquilo que veio aprendendo ao decorrer desses anos tão difíceis – não só ali em 2019, 2020, mas 2021, 2022, ainda não se sabia direito se podiam abrir os estabelecimentos, então os shows ainda eram meio incertos. Então, acho que 2024 foi o ano de repertório, o ano de bons shows… Parece que um ano do movimento ali artístico, saca?Não só pro mundo, mas dessas pessoas também. Pô, a gente tem uma relação linda com a Liniker, tem uma relação linda com a Melly também.

Cupertino: A gente já cantou com as duas, né? 

Anchietx: Sim! Estánascendo uma cena a partir desses movimentos, saca? Tipo, quem escuta a “Amaríssima”, escuta “Caju”; quem escuta “Caju”, está ouvindo “Os Garotin de São Gonçalo”, que está ouvindo Yago Oproprio, tá ligado? E a gente tem se encontrado nos festivais.

Acho que 2024 é um ano muito foda pra música brasileira, foi um ano de admiração mesmo. Tanto que a gente tá vendo todo mundo sendo indicado nas mesmas paradas, tá ligado? Foi um ano foda. 

Cupertino: Ana Frango [Elétrico] também, a gente ama. Muito disco incrível. Jota.pê também lançou um disco incrível.

Foto: Clara Carvalho/Divulgação

O disco está no mundo há algum tempo e vocês têm conquistado muito renome com ele, especialmente nas premiações. Vocês acabaram de conquistar o Grammy Latino de “Melhor Álbum de Pop Contemporâneo Brasileiro” e foram indicados ao Prêmio Multishow. Como tem sido essa recepção do álbum pra vocês logo em um trabalho de estreia? Como tem sido lidar com essa ascensão tão repentina?

Leo: Ah, cara, é meio doido, assim, porque a gente faz um trabalho que a gente não pensa no mercado. Claro, a gente tem a maldade na hora de fazer música, óbvio, mas a gente não liga muito pro mercado. A gente só pensa em fazer uma música que a gente goste e que seja uma música que soa bem, entendeu? 

Cupertino: A maldade é essa, né, Leo? A maldade é fazer uma música que a gente gosta. Fazer uma música que a gente gosta é difícil! Pra gente gostar de uma música, a música tem que pirar a gente. Então a gente conseguir fazer uma música que a gente gosta é difícil, a gente tenta muitas vezes e não consegue. 

Anchietx: A gente vai atrás de um som que a gente fica piradão.

Cupertino: Eu acho que quando a gente gosta muito do que a gente acabou de fazer, eu acho que vem uma confiança muito grande pra hora de lançar isso. 

Leo: A gente não esperava que ia ser considerado assim tão rápido, a ponto de já estar participando de prêmios. A gente fica feliz que a nossa música tá sendo considerada pelo mercado, tá tendo ouvinte, a galera tá comprando a briga, entendeu? Parece um sonho mesmo, parece que eu tô sonhando acordado. 

Cupertino: É uma coisa meio meteórica. A gente não tá de bobeira total, a gente tá vivendo mesmo um filme mesmo com essa experiência. Mas ao mesmo tempo, a gente tá muito grato e trabalhando muito com o pé no chão, sabe? Foi tão natural que isso tudo aconteceu e a ideia é que continue sendo natural.

Vocês comentaram que pensam na música de vocês não só refletindo o que vai fazer mais sucesso, mas também o que os agrada. Eu imagino que em um primeiro disco, esse dilema pode ser uma pressão a mais para o artista. Como foi conciliar isso?

Cupertino: É aí que tá, a gente não conciliou! A gente quis fazer algo pop, mas no entendimento do que a gente considera pop. Às vezes uma pessoa vai ouvir a nossa música e vai falar: “Mas isso daí não é pop”, como tem gente que, com certeza, às vezes pode chegar nessa conclusão. Mas é o que a gente considera música pop, né? A gente gosta de fazer música popular, a gente foi criado ouvindo música popular, então a gente tem uma compreensão do que é música pop e é isso que a gente faz.

Agora, se isso vai ter alcance, é muito misterioso essa parada. A gente faz o que a gente gosta, é pop pra gente. É uma música que a gente bota pra curtir o momento, a música ali tocando enquanto a gente tá no ambiente, conversando. A gente acha que a gente faz uma música gostosa, sabe? As pessoas dançam, as pessoas se divertem. Eu acho que a gente deu sorte de… O que a gente tá achando que é pop e o que a gente gosta de fazer no nosso coração, a gente deu sorte das pessoas digerirem isso e escolherem isso pra se divertir, pra se emocionar, sabe? É um privilégio você ser escolhido. Eu acho que a gente deu sorte, a gente não soube conciliar. A gente só fez mesmo, velho. É um caminho mesmo de mistério, eu acho, essa parada, você sabe?

Queria que vocês contassem também sobre os próximos passos dos Garotin. Não sei se é muito cedo pra se falar em um segundo disco, mas vocês também comentaram sobre os trabalhos solo de cada um… O que podemos esperar no futuro próximo?

Cupertino: Um EP solo! O Anchietx tá chegando agora com o EP solo dele.

Anchietx: Quatro músicas! Lucas” é o nome do EP. Daqui a dois dias está no mundo.

Cupertino: Tem o EP do Anchietx, né? Ou seja, é um movimento agora da carreira solo dele — o que a gente adora. É o que o Leo tava falando, a gente adora ver o outro tá brilhando, o outro tá fazendo a coisa, assim, sabe? Eu acho que isso alimenta o projeto dos Garotin, assim como o projeto dos Garotin alimenta a nossa o nosso caminho individual… Acho que as coisas se complementam.

Agora, Os Garotin devem estar chegando aí: no começo do ano que vem, a gente vai fazer uma live session, que é o EP “Os Garotin, Session 2”, ou “Volume 2”, alguma coisa assim. Foi com o EP “Os Os Garotin Session” que a gente nasceu em 2023, que tinha “Zero a Cem”, “Carinha de Neném”, “Queda Livre”, “Mais Uma História de Amor”, “Pouco a Pouco”… Foram cinco faixas ao vivo, e a gente vai repetir a dose agora, com cinco novas faixas ao vivo. E isso, assim como o EP “Os Garotin Session” antecedeu o primeiro álbum, de repente tem coisas aí pra virem depois do EP “Os Garotin Session 2”.

Vocês ainda têm vários shows pelo país depois de um ano agitado em turnê. Como tem sido se apresentar ao público e receber esse carinho de forma tão próxima dos fãs?

Leo: Cara, a gente está se acostumando. Várias músicas que a gente fez, a gente fez lá em São Gonçalo, lá no nosso cantinho. A gente nunca imaginou que a gente ia sair de tão longe… De ir pra Bahia, por exemplo, e a galera da Bahia tá cantando, a galera de Minas, tipo… Gente do Mato Grosso do Sul, eu nunca tinha ido no Mato Grosso do Sul! Todo mundo ouvindo nosso som e curtindo lá no show, dançando, com muito carinho pela gente. Ainda é novo isso pra gente, mas a gente tá muito feliz, 

Cupertino: É um presente, né, cara? É a nossa música rodando o Brasil. Cada show que a gente faz é a realização. Eu lembro da gente lá em São Gonçalo, conversando, planejando os passos, os futuros, e com nada definido, tudo por fazer. É um ambiente de muitas incertezas, mas parecia que tinha algo que falava que a gente tinha que seguir em busca disso. E a gente foi, e agora quando a gente tá no show, é realização de cada uma daquelas conversas… É um presente, cara, você poder trabalhar com arte. Trabalhar com música. E além desse presente, a gente sente que essa é a missão mesmo da nossa vida, fazer isso. É uma sensação de satisfação, porque você está fazendo o que você nasceu para fazer, sabe? Eu sinto um pouco isso.

Queria fazer uma pergunta mais pessoal: o que vocês sonham em conquistar com a música?

Leo: Eu sonho, em 10 anos, em ver que meu trabalho fez a diferença na vida das pessoas e ver que minha carreira está consolidada e eu consegui me manter, eu consegui continuar trabalhando, fazer as pessoas se inspirarem… Meu sonho é esse, o resto é lucro. 

Anchietx: Hoje o propósito da minha vida é dar uma vida melhor pro meu filho, né? Conseguir viver a segurança da vida, todas as seguranças possíveis, poder levar isso pra vida dele, que é uma coisa que eu não pude ter. E é isso, continuar inspirando as pessoas. Ser referência de luta, de conquista. Todo mundo pode conquistar, agora eu quero ser referência de luta, sacou? Acho que é isso, a gente precisa sempre de alguém pra gente ver que é possível. Ver que tem alguém que teve a mesma vida que a nossa e conseguiu chegar lá. Então é isso que eu quero: inspirar as pessoas a continuarem sonhando. 

Cupertino: E além de todas essas coisas maravilhosas que eles falaram — que eu faça das palavras deles as minhas — eu também completaria com uma missão em torno da música, do amor à música mesmo, sabe? De poder estar nesse ambiente do business, do mercado fonográfico, e trazer algo que não é feito baseado no que é o business e no que é o mercado fonográfico, e sim baseado na canção. A gente quer levantar essa bandeira de estarmos aqui pela música brasileira e pela missão que é continuar carregando esse legado, né, cara? De todos esses artistas maravilhosos que a gente já teve.

Existe agora uma nova geração e a gente quer se dedicar mesmo à canção, a gente quer se dedicar ao estudo, à entrega, para que, nos próximos anos, as pessoas possam acessar e ver o que foi feito ali. “O que aconteceu em 2024? O que estava rolando?” Ah… Liniker, Melly, Os Garotin, sabe? Eu acho que isso é um legado, é uma missão muito bonita. 

Leo: Não só em 2024, mas na década inteira.