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Como Ariana Grande tomou as rédeas do pop internacional

Há menos de dois anos, em um ainda recente 4 de junho de 2017, Ariana Grande organizava o show mais importante de sua carreira — e nenhum exagero seria considerá-lo uma das maiores reuniões da história do pop. Em solidariedade ao trágico atentado terrorista que deixou 23 mortos e quase mil feridos fisicamente e psicologicamente durante uma apresentação da cantora em Manchester, realizado duas semanas antes, foi organizado o evento beneficente “One Love Manchester” com a presença de 55 mil pessoas e inúmeros artistas do alto escalão da música, como Justin Bieber, Coldplay, Katy Perry, Liam Gallagher, Miley Cyrus, Little Mix, Niall Horan e Robbie Williams. A homenagem proveu mais de 23 milhões de euros posteriormente arrecadados à Cruz Vermelha Britânica e às famílias das vítimas.

Até então, o nome da cantora se encaminhava para uma tímida consolidação no cenário mainstream, desprendendo-se das facetas infantojuvenis que a inquietavam desde as origens de sua carreira em busca de maior reconhecimento em meio à indústria fonográfica. Assim se firmou como “Dangerous Woman” ao mundo em 2016 com um disco de composições e sonoridade amadurecidas e agradáveis aos ouvidos da crítica, mas ainda distantes de afastar as desavenças do público em geral com a americana. O ataque terrorista, todavia, provocou um baque nos planos de Ariana, adiando tanto sua turnê quanto as gravações de seus novos trabalhos, e gerou gigantes expectativas acerca de seus próximos passos. Ali, em torno das incertezas e da insegurança que contornavam a ocasião, iniciava-se uma metamorfose artística e pessoal que a levaria ao domínio do pop internacional.

Ainda que subestimada, Ariana sempre mostrou desde cedo que, entre seus refrões grudentos e notas agudas, havia uma figura interessante para acompanhar. Em “My Everything”, álbum de 2014 que contabilizou o primeiro verdadeiro sucesso mundial de vendas de Grande, era notável o talento que a cantora carregava como hitmaker, o que levou às posições de destaque das paradas musicais faixas como “Problem”, “Break Free”, “Love Me Harder” e “Bang Bang”. Contudo, assim como se evidencia pelos singles, mais que a metade da tracklist era formada por parcerias, incluindo cantores como The Weeknd, Jessie J, Nicki Minaj e Iggy Azalea e produtores como Zedd e Cashmere Cat entre os creditados.

A divisão da imprensa entre críticas positivas e negativas ao título não ofuscou o mérito da americana em trazer à tona uma persona menos inocente do que a explorada em “Yours Truly”, trabalho de estreia lançado no ano anterior. Tal amadurecimento não se limita apenas às composições: o disco apresenta uma curiosa mistura entre pop, R&B e EDM em suas canções, adequando-se aos gêneros de maior popularidade na época (uma virtude apresentada desde cedo) e ampliando seu repertório de músicas “muito seguras” de seu antecessor, conforme era tão apontado pelos fãs.

Vale ressaltar que “Yours Truly” é uma peça ainda mais crucial para compreender as raízes artísticas da cantora. O álbum, lançado em 2013 e idealizado desde os tempos de “Brilhante Victoria”, é dividido em duas partes de acordo com os produtores, sendo a primeira influenciada pelo R&B e pop dos anos 90 e a segunda formada por composições voltadas à performance de Ariana. Tratando-se de seu primeiro projeto profissional, a americana foi bem recepcionada pelo público e despertou diversas comparações com Mariah Carey devido às semelhanças vocais.

A curta vida comercial do disco, que foi sucedido em menos de um ano, fazia sentido para pavimentar o recém-estabelecido perfil de Ariana Grande na indústria. O título, por pouco arriscar em suas canções, favoreceu as próprias vendas (até os dias de hoje, registram-se mais de um milhão de unidades comercializadas apenas nos Estados Unidos entre cópias físicas e streams) e concedeu um espaço maior para novidades ao seu sucessor, gravado estrategicamente no breve intervalo entre ambos os lançamentos. 

Bem como era previsto, a performance comercial de “My Everything” foi ainda melhor. Além de emplacar cinco singles de sucesso mundo afora, o álbum conquistou um certificado duplo de platina nos Estados Unidos e a primeira posição na Billboard 200 em sua estreia, tornando a cantora na primeira artista feminina da história da parada americana a debutar seus dois primeiros trabalhos no topo da lista.

Com uma divulgação reforçada para o disco, o desenvolvimento de “Dangerous Woman” se estendeu pelos dois anos seguintes, embora também tenha sido projetado desde o lançamento de seu antecessor. Os resultados permaneceram positivos: em dois anos, o trabalho soma 1,8 milhões de cópias vendidas em território americano, além de ter revelado hits como “Into You”, “Side To Side” e sua própria faixa-título.

O constante crescimento artístico e comercial da cantora, porém, nunca pareceu bastar para firmá-la entre o panteão do pop contemporâneo. Como parte de uma prematuramente criticada geração que originou frutos teen como Selena Gomez, Demi Lovato e Miley Cyrus, Grande se destoou das demais ao trilhar caminhos diferentes e mais próximos do mainstream — algo que nem sempre significou ser a mais bem-sucedida entre tais, mas que se provaram de grande valor a longo prazo. Para subir seus próprios degraus, a americana precisaria criar uma obra definitiva para o estabelecimento de sua carreira, de maneira que atendesse às variadas críticas que tanto sofria.

Com a turnê prevista apenas para 2017, “Sweetener”, até então um projeto desconhecido por público e imprensa, começou a ser gravado poucos meses depois da chegada de seu predecessor, repetindo o processo criativo pelo qual passaram todos os outros discos, e consistia no trabalho mais ambicioso de Ariana conforme rapidamente tomava forma. Tal meio-tempo marcou o seu período de maior produtividade, uma vez que a cantora afirmava “já ter faixas suficientes para lançar um novo álbum” ao final do ano.

As gravações, contudo, foram retomadas apenas após o atentado de Manchester. A cantora fez do estúdio um refúgio distante da melancolia que envolvia o caso e deu vida à algumas de suas composições mais inspiradas, como uma surpreendentemente alegre “No Tears Left To Cry” e a apoteótica “Breathin”. Tal processo de desenvolvimento ainda foi impulsionado pela colaboração de grandes produtores como Max Martin, ILYA, Savan Kotecha e Pharrell Williams — principal combustível criativo durante as gravações e peça fundamental de canções como “Blazed”, “R.E.M.” e “Successful”.

Pela primeira vez em sua carreira, Ariana estava pincelando uma obra que enfatizasse a si mesma ao invés de explorar suas influências — uma atitude que comprova seu amadurecimento na indústria, conforme tornava-se também um espelho para uma nova geração inteira de artistas. A americana jamais, por exemplo, mostrou-se tão empoderada como em “God Is A Woman”, ou então soou tão profundamente sincera como na balada “Better Off”. Estabilizava-se, finalmente, entre o panteão do pop contemporâneo com o seu maior êxito artístico: um trabalho transparente, coeso e moderno que traduz todos os seus maiores dons musicais.

O sucesso também repercutiu em suas vendas pelo globo. Até o momento, “Sweetener” acumula 964 mil unidades comercializadas nos Estados Unidos (sendo 23% delas provenientes apenas da semana de lançamento, em agosto do ano passado), debutando na primeira colocação da tabela americana — feito que se repetiria em outros vinte países, incluindo paradas prestigiadas como a do Reino Unido e da Austrália.

A glória que parecia enfim encerrar o intervalo conturbado da vida de Ariana durou poucas semanas. No dia 7 de setembro de 2018, Mac Miller, com quem namorou por dois anos, faleceu aos 26 anos de idade em decorrência de uma overdose. Há tempos o rapper batalhava contra diversas crises pessoais que o levaram à depressão e vícios em drogas e álcool, que vieram a ser as causas de sua morte.

“Eu te amei desde o dia que te conheci aos 19 anos e sempre irei. Eu não consigo acreditar que você não está mais aqui. Eu realmente não consigo colocar isso na cabeça. Nós conversamos sobre isso. Tantas vezes. Estou tão brava, tão triste e não sei o que fazer. Você era meu amigo mais querido. Por tanto tempo. Acima de qualquer coisa. Desculpe-me por não ter conseguido consertar ou tirar sua dor de você. Eu realmente queria. A mais gentil e doce alma com demônios que ele nunca mereceu. Eu espero que você esteja bem agora. Descanse.”

Entre os lançamentos de “Dangerous Woman” e “Sweetener”, Miller desempenhou extrema importância para as vidas artística e pessoal da cantora. Além de contribuir para diferentes trabalhos da namorada e vice-versa (vide parcerias como “The Way” e “My Favorite Part”), Mac acompanhou a repercussão do atentado de Manchester junto à Ariana, revitalizando o relacionamento de ambos. O término, que ocorreu em maio de 2018 por conta de seus respectivos compromissos profissionais, não afetou o vínculo entre os dois artistas, que se mantiveram amigos próximos e eram vistos juntos regularmente.

A notícia foi perturbadora para Grande, afetando-a por vários meses e provocando até mesmo a separação com seu atual namorado na época, Pete Davidson, o qual estava noiva. Após o incidente, a cantora declarou publicamente que se afastaria da música e tomaria o tempo necessário para “curar suas feridas”. Porém, Ariana novamente retornou aos estúdios como uma forma de distração e transformou os reveses em inspiração para o grande e definitivo hit de sua carreira, “Thank U, Next”.

A canção faz clara alusão aos seus diferentes relacionamentos ao longo dos anos em tom de gratidão à seus ex-namorados. Os casos com Big Sean, Ricky Alvarez e Pete Davidson são citados diretamente na primeira estrofe — bem como sua relação com Malcolm, a quem se referencia como “um anjo” e aponta que “gostaria de agradecê-lo”. A música não apenas evidencia um desabafo a respeito das constantes discordâncias midiáticas que perseguem a americana, mas também a impõe em um estado de superação não apenas aos seus antigos namoros, mas também quanto às complicações que se viu obrigada a enfrentar em tão pouco tempo.

Disponibilizada sem avisos prévios, a faixa estreou diretamente na primeira posição da parada americana de singles, concretizando assim um feito inédito para Ariana junto aos milhões de streams que a tornariam em sua música mais popular. O lançamento de “7 Rings”, já no mês passado, também alcançaria tal marca com seus gigantes percentuais de reproduções, levando o empoderamento feminino e a ostensão da cantora para as rádios e aos ouvidos de todo o mundo.

Ambas as músicas de trabalho fazem parte da tracklist de “Thank U, Next”, quinto álbum de estúdio da americana que será liberado na íntegra nesta sexta-feira (8). O título já é tido como o mais aguardado capítulo da discografia pelos fãs e certamente será um dos grandes lançamentos de 2019, consolidando definidamente a cantora no topo do cenário musical. Os números, as vendas e sua própria trajetória não mentem acerca de seus méritos, que por tanto tempo foram minimizados por diferentes públicos e atualmente são responsáveis por construírem pontes entre as variadas esferas do pop internacional.

Tamanha popularização não foi repentina. Trata-se de um processo lento e sutilmente elaborado ao longo de seus curtos seis anos de carreira, nos quais passou por obstáculos pessoais e verdadeiras tragédias que não foram suficientes para dizimar a paixão de uma artista que sempre buscou a música nas ocasiões mais difíceis. A preocupação em manter suas obras relevantes e compatíveis com seu tempo deu origem à trabalhos cada vez mais amadurecidos e refinados por uma crescente que deveria servir de inspiração à uma indústria que carece de estímulos em seus níveis de maior alcance. É, finalmente, a hora do mainstream prestar atenção em Ariana Grande.

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